2020
O ano de 2020 ficará marcado pela Covid-19 e pelas consequências que a pandemia nos trouxe. Contra todas as previsões que o número nos inspirava na virada do ano, 2020 tem sido um tempo de luto, de introspecção e reflexão.
Da China, que foi tão falada este ano, veio também a arte da 44ª Mostra Internacional de Cinema, uma emblemática foto do grande cineasta Jia Zhangke, na qual um homem acende incensos para a estátua de WenQuxing, legendária divindade da literatura e da escrita. Jia também nos traz o documentário Nadando Até o Mar se Tornar Azul e o curta A Visita, em que a Covid é o principal personagem.
Coronation, do artista chinês Ai Weiwei, também aborda a Covid-19, por meio de imagens poderosas feitas clandestinamente em Wuhan. Já Abel Ferrara nos mostra a chegada da pandemia na Europa com o documentário Sportin’ Life.
Mas, para além da presença nas telas, a Covid-19 resta entre nós. Com as salas de cinema fechadas e com a incerteza ainda presente, a Mostra se viu forçada a ter a sua 44ª edição apenas on-line e em cinemas drive-in. Diferentemente de 2009, quando a Mostra apresentou sua primeira seleção on-line (o primeiro festival on-line do mundo!) com a ideia de possibilitar acesso a pessoas de fora de São Paulo, hoje a internet é o que nos possibilita a existência e também a presença da Mostra de maneira integral em todo o Brasil.
Então, esperamos que a Mostra seja um pouco como a fumaça do incenso que, em tantas religiões e cultos, simboliza o alento, a purificação e a cura. Porque a situação inusitada não prejudicou a seleção de 2020, que se insinua forte e surpreendente pelas nuvens e ondas da internet.
Como em todas as edições, a Mostra apresenta um vasto panorama do cinema mundial, com autores consagrados e novos realizadores. Na programação deste ano também apresentaremos títulos premiados em festivais como Berlim, Sundance, Tribeca, Toronto, Roterdã e Veneza, além de obras laureadas em alguns dos principais festivais de documentários do mundo.
Pela primeira vez, o Prêmio Humanidade será dado a um grupo de pessoas: os funcionários da Cinemateca Brasileira. Em um ano muito conturbado para a instituição, os seus funcionários mostraram um emocionante comprometimento com o nosso patrimônio e a nossa memória.
O segundo Prêmio Humanidade será dedicado ao mestre Frederick Wiseman pela sua obra monumental. Neste ano de eleições pelo mundo, ele nos presenteia com o filme City Hall e nos faz entender a diferença entre um político e um estadista; e também a diferença dos funcionários públicos imbuídos de sua verdadeira função, a de servidores públicos.
Já a produtora Sara Silveira receberá o Prêmio Leon Cakoff pela persistente e corajosa carreira de mais de 30 anos. Homenageada pela empreitada em revelar novos cineastas brasileiros, fazendo com que as vozes desses realizadores ecoem ao redor do mundo.
A 44ª Mostra também homenageia o cineasta Fernando Coni Campos apresentando três obras: Viagem ao Fim do Mundo (1968), Ladrões de Cinema (1977) e O Mágico e o Delegado (1983).
Mas a Mostra não será feita só de filmes. O Fórum Mostra completará seu quarto ano com uma versão virtual, que possibilitará a participação de convidados de outros países. Além disso, o mestre Ruy Guerra dará um curso on-line intitulado “A História do Cinema segundo Ruy Guerra”.
Agora, resta torcer para que o cinema, realizado ou falado, nos traga uma variedade de fumaças com diferentes perfumes e que, com eles, consigamos atenuar um pouco os males que nos afligem.
Agradecemos aos nossos parceiros e patrocinadores que, mesmo em tempos conturbados, permaneceram ao nosso lado.
Uma boa Mostra a todos!
Renata de Almeida
direção
RENATA DE ALMEIDA
produção executiva
CLAUDIO A. SILVA
BRUNO BUENO
ERIKA FROMM
FABIANA AMORIM
LEANDRO DA MATA
LUKA BRANDI
PRISCILA BOTURÃO PACHECO
RITA PALERMI
SOFIA DINIZ
VICENTE REIS
equipe de produção
ALEXANDRE AMORIM
ALEXANDRE AMORIM JR.
CRISTINA IGNE
DIEGO CORREA
MARCOS SANGALI
NELSON SOUZA
PATRÍCIA RABELLO
design gráfico
EBERT WHEELER
editoração e imagens
CRISTIANE RAMOS
IAGO SARTINI
catálogo, site e redes sociais
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FELIPE MENDONÇA MORAES
textos
ALINE PELLEGRINI
LUIZA WOLF
traduções
LUÍSA PÉCORA
fórum
coordenação
ANA PAULA SOUSA
assessoria de imprensa
MARGÔ OLIVEIRA
CAROL MORAES
LEILA BOURDOUKAN
tradução e legendagem
QUATRO ESTAÇÕES
dcp e outras mídias
PANTOMIMA CINE SHOW
website
WEBCORE
mostra play
SHIFT72
suporte técnico
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contabilidade e financeiro
PLANNED
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BITELLI ADVOGADOS
fotografia
AGÊNCIA FOTO - MARIO MIRANDA FILHO
vídeos e making of
RÁ FILMES
arte
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vinheta: criação
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música original
MONDO
colaboradores para a seleção
DUDA LEITE
FELIPE MENDONÇA MORAES
FRANCISCO MARTINS FONTES
HENRIQUE VALENTE
JONAS CHADAREVIAN
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ORLANDO MARGARIDO
THIAGO STIVALETTI
A
A2
ADILSON MENDES
ALESSANDRA DORGAN
ALESSANDRO RAJA
ALEX INGBER
ALEXANDRE PIETRO
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AMIR ADMONI
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ANDRÉ ABUJAMRA
ANDRÉ STURM
ANDRÉ TAIARIOL
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B
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E
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O
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REVISTA 451
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S
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SECRETARIA ESPECIAL DA CULTURA
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DA CIDADE DE SÃO PAULO
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THE MATCH FACTORY
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TV GLOBO
U
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URBIA PARQUES
V
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VICTOR PEREIRA COSTA SILVA
VICTORIA GUZMAN
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VITRINE
VIXENS FILMS
W
WALTER SALLES
WAZABI FILMS
WILMER DANIEL MOYA LALINDE
Y
YULIA TRAVNIKOVA
Z
ZIPPORAH FILMS
Nascida em São Paulo em 1954, Cristina Amaral é uma das principais e mais importantes montadoras do país. Estudou cinema na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e, nos anos 1980, ainda na faculdade, começou a trajetória no cinema montando curtas-metragens. Trabalhou com alguns dos mais relevantes realizadores do país, como Carlos Reichenbach, com quem teve uma extensa parceria em filmes como Alma Corsária (1993, 37ª Mostra), Dois Córregos (1999), Garotas do ABC (2003), Bens Confiscados (2004, 28ª Mostra) e Falsa Loura (2007). Também trabalhou com João Batista de Andrade em O Cego que Gritava Luz (1997), com Guilherme de Almeida Prado em A Hora Mágica (1999) e com Edgar Navarro nos títulos O Homem que Não Dormia (2012, 35ª Mostra) e Abaixo a Gravidade (2017, 41ª Mostra). Sua parceria mais notória se deu com o cineasta Andrea Tonacci, com quem criou em 1997 a Extrema Produções Artísticas e cujo trabalho rendeu algumas das obras mais emblemáticas do cinema brasileiro recente, como Serras da Desordem (2006, 30ª Mostra) e Já Visto Jamais Visto (2013). Em 2019, o trabalho de Cristina foi tema de uma retrospectiva no Sesc Pompeia.
Nasceu no Rio de Janeiro em 1972. É diretor, dramaturgo, cenógrafo e produtor de teatro. Com o ator Guilherme Weber, fundou em 1993, na cidade de Curitiba, a Sutil Companhia de Teatro, que estreou cerca de 20 montagens, incluindo A Vida É Cheia de Som e Fúria (2000), adaptação do romance Alta Fidelidade, do escritor Nick Hornby, peça que foi sucesso de crítica e público por onde passou. Hirsch é, ainda, um dos criadores da Ultralíricos, companhia na qual desenvolve experimentações cênicas, como o espetáculo Puzzle, apresentado na Feira do Livro de Frankfurt no ano de 2013. Na televisão, dirigiu para a MTV brasileira a série A Menina sem Qualidades (2013). Enveredou para o cinema em 2009, quando estreou na direção de longas-metragens com Insolação (33ª Mostra), feito em parceria com Daniela Thomas, e exibido no Festival de Veneza. Também assinou a direção do longa Severina (2017, 41ª Mostra), selecionado para o Festival de Locarno.
2020
O ano de 2020 ficará marcado pela Covid-19 e pelas consequências que a pandemia nos trouxe. Contra todas as previsões que o número nos inspirava na virada do ano, 2020 tem sido um tempo de luto, de introspecção e reflexão.
Da China, que foi tão falada este ano, veio também a arte da 44ª Mostra Internacional de Cinema, uma emblemática foto do grande cineasta Jia Zhangke, na qual um homem acende incensos para a estátua de WenQuxing, legendária divindade da literatura e da escrita. Jia também nos traz o documentário Nadando Até o Mar se Tornar Azul e o curta A Visita, em que a Covid é o principal personagem.
Coronation, do artista chinês Ai Weiwei, também aborda a Covid-19, por meio de imagens poderosas feitas clandestinamente em Wuhan. Já Abel Ferrara nos mostra a chegada da pandemia na Europa com o documentário Sportin’ Life.
Mas, para além da presença nas telas, a Covid-19 resta entre nós. Com as salas de cinema fechadas e com a incerteza ainda presente, a Mostra se viu forçada a ter a sua 44ª edição apenas on-line e em cinemas drive-in. Diferentemente de 2009, quando a Mostra apresentou sua primeira seleção on-line (o primeiro festival on-line do mundo!) com a ideia de possibilitar acesso a pessoas de fora de São Paulo, hoje a internet é o que nos possibilita a existência e também a presença da Mostra de maneira integral em todo o Brasil.
Então, esperamos que a Mostra seja um pouco como a fumaça do incenso que, em tantas religiões e cultos, simboliza o alento, a purificação e a cura. Porque a situação inusitada não prejudicou a seleção de 2020, que se insinua forte e surpreendente pelas nuvens e ondas da internet.
Como em todas as edições, a Mostra apresenta um vasto panorama do cinema mundial, com autores consagrados e novos realizadores. Na programação deste ano também apresentaremos títulos premiados em festivais como Berlim, Sundance, Tribeca, Toronto, Roterdã e Veneza, além de obras laureadas em alguns dos principais festivais de documentários do mundo.
Pela primeira vez, o Prêmio Humanidade será dado a um grupo de pessoas: os funcionários da Cinemateca Brasileira. Em um ano muito conturbado para a instituição, os seus funcionários mostraram um emocionante comprometimento com o nosso patrimônio e a nossa memória.
O segundo Prêmio Humanidade será dedicado ao mestre Frederick Wiseman pela sua obra monumental. Neste ano de eleições pelo mundo, ele nos presenteia com o filme City Hall e nos faz entender a diferença entre um político e um estadista; e também a diferença dos funcionários públicos imbuídos de sua verdadeira função, a de servidores públicos.
Já a produtora Sara Silveira receberá o Prêmio Leon Cakoff pela persistente e corajosa carreira de mais de 30 anos. Homenageada pela empreitada em revelar novos cineastas brasileiros, fazendo com que as vozes desses realizadores ecoem ao redor do mundo.
A 44ª Mostra também homenageia o cineasta Fernando Coni Campos apresentando três obras: Viagem ao Fim do Mundo (1968), Ladrões de Cinema (1977) e O Mágico e o Delegado (1983).
Mas a Mostra não será feita só de filmes. O Fórum Mostra completará seu quarto ano com uma versão virtual, que possibilitará a participação de convidados de outros países. Além disso, o mestre Ruy Guerra dará um curso on-line intitulado “A História do Cinema segundo Ruy Guerra”.
Agora, resta torcer para que o cinema, realizado ou falado, nos traga uma variedade de fumaças com diferentes perfumes e que, com eles, consigamos atenuar um pouco os males que nos afligem.
Agradecemos aos nossos parceiros e patrocinadores que, mesmo em tempos conturbados, permaneceram ao nosso lado.
Uma boa Mostra a todos!
Renata de Almeida
Assim como nas demais áreas da cultura, também no audiovisual as mostras e festivais tiveram que buscar formatos inovadores para chegar ao público e exercer o seu papel fundamental no contexto da pandemia e do isolamento social.
A 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o maior e mais importante evento deste setor no Brasil, é um belo exemplo de adaptação e reinvenção. Com atividades e atrações on-line, cumpre plenamente sua missão mesmo em um contexto adverso.
Para a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, é uma honra apoiar a realização da Mostra neste novo formato, que aponta inclusive para a ampliação do alcance e do acesso. Trata-se de uma referência para outros eventos e setores.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e a Spcine informam sobre mais uma edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, um dos principais eventos cinematográficos e culturais da capital paulista.
Neste ano tão atípico para todas as esferas da sociedade, este tradicional evento ganha mais uma edição graças aos esforços de todos os profissionais envolvidos nesta celebração do cinema mundial.
Com títulos dos mais variados países, a Mostra Internacional de Cinema é um convite para a imersão nos mais diferentes estilos cinematográficos. Trata-se ainda da principal porta de entrada para produções nacionais e internacionais que se destacaram em tradicionais festivais de cinema, como Cannes, Berlim e Veneza.
Parte da programação do evento será disponibilizada na plataforma de streaming Spcine Play. Serão apresentadas produções que podem ser assistidas gratuitamente de qualquer lugar do Brasil.
Além do acesso às obras premiadas, a Mostra também permite um mergulho em culturas e tradições a partir de olhares de cineastas dos mais variados países e continentes. O público poderá assistir a essas sessões de cinema e participar de debates sobre temas diversos.
Um bom evento a todos!
Em um ano no qual a cultura teve de encontrar novos caminhos -reinventar práticas e meios de alcançar antigos e novos públicos-, a importância de apoiar iniciativas nessa área, a estrutura profissional que ela mobiliza e os efeitos formativos do setor se tornaram ainda mais evidentes. Com essa convicção, o Itaú alcança o oitavo ano de parceria com a Mostra Internacional de Cinema.
A Mostra chega à sua 44ª edição mantendo a potência dos anos anteriores. Como de costume, a programação se estende ao Itaú Cultural (IC): confira em itaucultural.org.br as atrações, entre outros conteúdos em todas as áreas de expressão.
Toda essa agenda será realizada on-line —a Mostra será pela primeira vez integralmente digital. Apesar do fato de que isso se dá em razão da pandemia, é interessante perceber que o modelo de streaming se tornou uma das principais formas do relacionamento com o audiovisual. Filmes e séries preenchiam já o nosso cotidiano por essa mídia; isso, agora, se intensificou.
Desde antes da crise da Covid-19, o IC vinha desenvolvendo no site diversas exibições on-line, alinhadas com as realizadas no espaço físico. Nestes meses de isolamento, com nossa programação transportada e recriada para o digital, foi promovido um cardápio amplo de mostras, com temas desde a velhice e amor romântico até os sentidos do território e a fantasia.
As mostras do IC são reforçadas por um teor educativo; com frequência, são acompanhadas por formações. Nesse sentido, foi organizado o EAD Projeções - Linguagem e Processos Criativos no Cinema Brasileiro Contemporâneo, com aulas até dezembro.
Essas atividades se somam às iniciativas da organização pelo incentivo à cultura. Neste período de crise, foram lançados os editais de emergência Arte como Respiro, um deles direcionado ao audiovisual, com 3.578 inscrições e 200 trabalhos selecionados, entre as cinco regiões do país. Esses e outros serão exibidos até dezembro no Festival Arte como Respiro, em nosso site.
Siga pelas nossas redes sociais essas e outras programações, além de vídeos e textos, artigos, entrevistas e reportagens. Navegue também pelos verbetes da Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras —em enciclopedia.itaucultural.org.br—, que aprofundam conhecimentos sobre os nossos cineastas, artistas visuais, dançarinos, músicos, escritores e mais.
Itaú Cultural
Criada em 1977, no MASP, a primeira edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo celebrava os 30 anos de existência do museu, encorpando uma cultura institucional das artes que então se tornava madura. Hoje com estatuto próprio, fruto daquela maturidade, a Mostra chega à sua 44ª edição. E alcança essa expressiva marca num quadro histórico em que os mecanismos de viabilização da produção e difusão dos bens artístico-culturais, entendidos como imprescindíveis para o nosso processo civilizatório, são colocados à prova.
Não bastasse isso, o fenômeno sem precedentes da pandemia de Covid-19 impõe restrições para práticas simbólicas e sociais que, como é o caso do cinema, pressupõem a reunião das pessoas em torno de objetos estéticos que se distinguem por conferir densidade à existência —nos planos individual e coletivo. Todavia, a posição-chave que essa experiência ocupa no imaginário provê forças e recursos inventivos para que possamos reimaginar formas de mantê-la viva, pulsante, o que inclui a busca de soluções para garantir a permanência de iniciativas e órgãos responsáveis pela manutenção e circulação dos repertórios cinematográficos.
É nesse sentido que a 44ª Mostra homenageia os funcionários da Cinemateca Brasileira, em reconhecimento aos seus esforços pela continuidade das atividades de preservação e difusão realizadas por essa instituição que acumula oito décadas de história. A instância da difusão, por sua vez, revela-se como o principal trunfo da Mostra, que volta suas atenções tanto para a produção internacional como para a seara nacional, proporcionando acesso a filmografias decisivas para o contemporâneo. Nesta edição, mais de duas dezenas de países estão representados, incluindo o Brasil.
Como forma de contornar as limitações do presente, a Mostra lança mão de diversas plataformas. Além das exibições remotas, via streaming, sessões drive-in integram o escopo de estratégias para a veiculação das obras. Ambas as frentes contam com diferentes parceiros, sendo o Sesc um colaborador e multiplicador assíduo. Ao que tudo indica, essa união de esforços e a respectiva adoção de formas alternativas de circulação cinematográfica significará um marco na trajetória da Mostra, fortalecendo-a num momento em que o importante é permanecer ativa e influente.
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc São Paulo
Pelo sexto ano seguido, reforçamos nosso apoio à Mostra de Internacional de Cinema em São Paulo, que, nesta sua 44ª edição, será on-line. A Mostra é a mais importante catalogação no país sobre o cinema exibido em outros festivais do mundo. Mais uma vez, com o patrocínio da CPFL Energia, nos orgulhamos de participar da Mostra.
A produção audiovisual é uma marca bastante importante dos nossos projetos no Instituto CPFL. Desde 2003, ano da nossa criação, temos uma produção independente de programas de TV, como o Café Filosófico CPFL e o Café Expresso, exibidos na TV Cultura. E mantemos na nossa sede, em Campinas, também desde a nossa criação, a Sala Umuarama, que exibe sessões gratuitas e regulares da Mostra Cinema e Reflexão (que, neste momento, estão sendo transmitidas digitalmente).
Trabalhamos com projetos de cinema itinerante e ao ar livre em parcerias como a do Cinesolar e do Cine Autorama. E também apoiamos importantes festivais e mostras de cinema do país, como o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo e, aqui, a Mostra.
Reforçamos por meio da manutenção dessa rede em torno do audiovisual e do cinema nosso posicionamento de compreender a cultura como agente de transformação de nossas comunidades. Aproveitemos os filmes deste ano e tenhamos uma ótima 44ª Mostra.
Instituto CPFL - energia que transforma realidades
Um dos mais importantes e autênticos realizadores em atividade no mundo, Frederick Wiseman vem se dedicando ao cinema documental há mais de cinco décadas. Em City Hall (2020), que será exibido pela 44ª Mostra, Wiseman, de 90 anos, volta ao grande tema de sua trajetória: as instituições sociais e sua relação com as cidades e comunidades.
No novo filme, o diretor faz um mergulho na prefeitura de Boston para construir um ensaio visual sobre os sentidos da democracia. O prefeito da cidade, Marty Walsh, é um defensor do meio ambiente, dos direitos dos imigrantes e da igualdade de gênero. Os funcionários, por sua vez, mantêm aquilo que poderíamos chamar, de forma genérica e, ao mesmo tempo, precisa, de “espírito público”.
Como muitos outros trabalhos de Wiseman, City Hall nos ajuda a compreender a nação norte-americana a partir de um olhar único sobre o cotidiano e sobre os seres humanos que ocupam as instituições.
De família judia, Wiseman nasceu em Boston, em 1930. Depois de servir o exército, mudou-se para Paris, onde viveu durante alguns anos. Ao retornar para os Estados Unidos, deu aulas de direito antes de assumir sua vocação cinematográfica.
A estreia de Wiseman no cinema se deu na produção em 1963. Mas não demorou para que logo pegasse a câmera e fosse investigar seu país. Seu primeiro documentário, Titicut Follies (1967), retrata os pacientes do Bridgewater State Hospital, instituição para presos com doenças mentais. A obra pode ser entendida como uma carta de intenções para o que marcaria a carreira de Wiseman, tanto no que diz respeito ao objeto de seus filmes quanto ao estilo do registro e da encenação.
Ainda que o próprio Wiseman não goste de ser definido a partir dos conceitos de cinema observacional ou cinéma vérité, é fato que Titicut Follies foi um precursor de um certo modo da câmera se relacionar com o que está sendo filmado. Os ecos da estreia de Wiseman reverberaram não só no que veio imediatamente após o filme, mas naquilo que é produzido até hoje.
E o que Wiseman vem fazendo desde então é construir uma radiografia institucional dos Estados Unidos. Sua câmera entrou em escolas, bibliotecas, universidades, locais públicos, órgãos governamentais, zoológicos, academias de boxe e mais uma infinidade de lugares que povoam a rotina e o imaginário cotidiano.
Há, em sua obra, a construção consciente de uma filmografia como ideia de registro, de mapeamento dos símbolos que nos rodeiam e demarcam certa identidade contemporânea.
Nesse processo, o cineasta se volta, de forma arguta a paciente, aos gestos humanos que habitam cada um dos mundos onde se passam seus filmes. Seu interesse não está nesses locais como totens institucionais ou burocráticos, mas nas pessoas que os ocupam. E a descoberta do humano pode se dar tanto por meio da fala quanto por meio de semblantes, gestos e movimentos.
A câmera de Wiseman, meticulosa e paciente, que aparenta jamais intervir no que se passa à sua frente, sabe captar a grandeza do agora e do aparentemente banal. Os 48 documentários que fez até hoje, muitos para o cinema e outros tantos também para a televisão pública norte-americana, foram premiados nos principais festivais de cinema do mundo e lhe renderam um Oscar honorário pela carreira em 2017.
Este ano, além de exibir City Hall, a Mostra entrega a Wiseman o Prêmio Humanidade por toda a sua contribuição para o cinema e para a nossa compreensão da contemporaneidade.
O Prêmio Humanidade foi criado em 2004 para homenagear autores que, com o seu trabalho, destacam valores humanistas na sociedade e contribuem para a nossa coexistência. Grandes nomes do cinema mundial receberam essa homenagem, como Manoel de Oliveira, Abbas Kiarostami, Andrzej Wajda, Agnès Varda, Mahamat Saleh Haroun, Ermanno Olmi e Patricio Guzmán.
Mas nunca antes o Prêmio Humanidade tinha sido entregue a um grupo de pessoas. Essa decisão foi tomada num impulso, em um momento de indignação e, por que não, de paixão? Foi ao ser convidada a participar de um encontro virtual com políticos, cineastas, advogados e uma representante dos funcionários da Cinemateca Brasileira, a coordenadora do Centro de Documentação, Gabriela Souza de Queiroz.
Nesse encontro on-line, tive a oportunidade de ouvir Gabriela descrevendo a situação em que se encontravam os funcionários da instituição. Ela deu como exemplo um fato que ocorreu naquele mesmo dia, em que ela deveria entrar na reunião, mas a Cinemateca estava fechada, sem luz, e o gerador, quebrado. Gabriela se encontrava ali porque pediu para o porteiro, que não recebia o salário há meses, abrir a porta e ao eletricista, também sem ganhos há meses, para dar um jeito no gerador para que ela pudesse entrar na reunião e defender a Cinemateca.
Vários pensamentos passaram pela minha cabeça. Um deles foi: “Alguém deveria dar um prêmio para esse pessoal”. Também tive tempo de lembrar de todos da Cinemateca com quem convivi, da devoção com que a Olga Futemma, que dirigiu a instituição e era, até agosto deste ano, gerente de acervo, um dia me mostrou todo o setor de restauro e de conservação; lembrei ainda da energia do Leandro Pardí e do Sérgio Silva no escritório da Mostra para conversarmos sobre o Dia do Patrimônio do Audiovisual; de um certo mau humor do Carlos Augusto Calil, ex-dirigente da instituição, quando reclamou do barulho do vão-livre do MASP, onde tivemos a ousadia de fazer a homenagem ao crítico Paulo Emílio Sales Gomes; e de todos os funcionários com quem convivemos em todas as ações conjuntas que fizemos nos últimos 30 anos.
Passando por incêndios, diferentes gestões, além de mudanças de sede, a Cinemateca, ao longo da sua conturbada trajetória, sempre foi mantida pela vontade e resiliência dos que ali trabalhavam na manutenção do acervo audiovisual de cerca de 245 mil rolos de filmes correspondentes a 30 mil títulos —entre ficções, documentários, cinejornais, filmes publicitários e registros familiares, nacionais e estrangeiros— produzidos desde o início do século 20.
Se na sua origem o Prêmio Humanidade foi criado para destacar trabalhos humanistas que ajudam a nossa coexistência, hoje o prêmio destaca não só a responsabilidade com a nossa coexistência, mas também o compromisso que temos com os que virão. Homenageia pessoas que compreendem que o patrimônio audiovisual que temos hoje não é nosso. Como qualquer patrimônio, ele nos é apenas emprestado e nosso dever é preservá-lo para as gerações futuras.
E como toda homenagem é um agradecimento, agradecemos aqui os funcionários da Cinemateca Brasileira por conservarem a nossa memória neste ano tão difícil. E é com muita honra que entregamos a eles o Prêmio Humanidade da 44ª Mostra Internacional de Cinema.
Renata de Almeida
A mão de obra pesada da arte. Foi assim que Sara Silveira definiu o seu ofício a Antônio Abujamra no Provocações, programa da TV Cultura. Já o apresentador a descreveu como “a matriarca da produção nacional paulista”. E não é para menos: com cerca de 40 longas-metragens no currículo, a produtora de 70 anos é conhecida por revelar e levar para o mundo filmes de cineastas novatos —muitos, hoje, já estabelecidos e renomados.
Sara nasceu em Porto Alegre em 1950. Desde menina, é apaixonada por cinema. Na infância e na adolescência, passou muitas tardes na sala escura do Cine Avenida, na capital gaúcha, onde um primo trabalhava como gerente. Mas a entrada profissional no universo cinematográfico veio bem mais tarde. Por pressão familiar, fez direito e, após a formatura, durante o regime militar brasileiro, ficou um tempo na França estudando ciências jurídicas.
No fim da década de 1970, depois de viajar pela Europa e passar uma temporada na Índia com um grupo de amigas, Sara voltou ao Brasil, entregou os diplomas ao pai e decidiu seguir o sonho de trabalhar com cinema. Segundo ela, começou a carreira empiricamente: primeiro foi assistente de produção em títulos como Nasce uma Mulher (1983), de Roberto Santos, e Além da Paixão (1984), de Bruno Barreto, e, em seguida, assumiu a direção de produção de obras como Anjos do Arrabalde (1987), de Carlos Reichenbach —que, além de conterrâneo, mais tarde viria a ser um grande parceiro de trabalho—, e A Dama do Cine Shanghai (1987), de Guilherme de Almeida Prado.
O próximo passo foi a produção executiva para, enfim, tornar-se produtora. Em 1991, Carlos Reichenbach (1945-2012), o Carlão, como ela carinhosamente o chamava, a convidou para abrir a Dezenove Som e Imagens, um ano após o ex-presidente Fernando Collor de Melo extinguir a Embrafilme, período que causou, de acordo com Sara, “uma devastação anti-cinematográfica”.
Mas justamente nessa época, em plena crise, Sara enxergou uma oportunidade em um nicho. Durante os anos 1990, ela e Carlão lecionavam na USP (a Universidade de São Paulo) e conviviam diariamente com a juventude universitária, que pululava primeiros filmes. Foi aí que ela descobriu que a obra de estreia de um realizador era um bom caminho para fazer carreira internacional “porque os grandes festivais querem ter a honra de descobrir talentos”.
De lá para cá, Sara produziu aproximadamente duas dezenas de primeiras obras e alguns segundos e terceiros trabalhos de novos e novas cineastas. “O mais difícil do primeiro filme é conquistar o dinheiro para produzi-lo. Mas eu gosto muito de fazer o primeiro e acompanhar o segundo, já no terceiro o ‘bichinho’ voa sozinho”, disse ela ao programa Encontros de Cinema, do Itaú Cultural.
Hoje, Sara comanda a Dezenove ao lado de Maria Ionescu e, juntas, já produziram (ou coproduziram) alguns sucessos do cinema nacional, como Bicho de Sete Cabeças (2000, 24ª Mostra), de Laís Bodanzky; Cinema, Aspirinas e Urubus (2005, exibido em duas edições da Mostra: a 30ª e a 41ª), de Marcelo Gomes; Falsa Loura
(2007); de Reichenbach; Ó Paí, Ó (2007), de Monique Gardenberg; Person (2007), de Marina Person; É Proibido Fumar (2009), de Anna Muylaert; Trabalhar Cansa (2011) e As Boas Maneiras (2017, 41ª Mostra), ambos dirigidos por Marco Dutra e Juliana Rojas; e O que se Move (2012, 36ª Mostra), de Caetano Gotardo.
O mais recente trabalho que leva a assinatura de Sara na produção é o drama dirigido pela dupla Marco Dutra e Caetano Gotardo, Todos os Mortos, que terá uma apresentação especial na 44ª Mostra. O filme estreou em fevereiro de 2020 no Festival de Berlim e foi lá, inclusive, que ela deu um dos mais emocionados depoimentos da carreira: “A realização de um filme é um trabalho social, educacional e de criatividade. Hoje, temos dificuldades enormes com um governo que ataca a nossa cultura, a nossa educação e o nosso audiovisual. E nós, com esses filmes, conseguimos mostrar o quanto estamos trabalhando. Setecentas pessoas são envolvidas em um filme, direta ou indiretamente. Mas enquanto eu existir como mulher, eles vão ter que ouvir e ver os meus filmes. Eu não preciso de armas, eu preciso de força, de amor, de coragem e momentos heroicos para suportar o que estamos vivendo”.
E é pela persistente e corajosa empreitada de fazer cinema no Brasil, além de celebrar a extensa e bem-sucedida carreira de Sara Silveira, que a 44ª Mostra entrega à produtora gaúcha o Prêmio Leon Cakoff.
Em viva memória, a Mostra proporciona uma imersão na obra do cineasta Fernando Coni Campos por meio de três de seus sete longas-metragens. Uma rara oportunidade de revisitar o universo desse autor original e originário do Recôncavo baiano, que, atraído pelas artes plásticas, se manda nos anos 1940 para Salvador, onde convive com Rubem Valentim e o poeta Raymundo Amado. Em 1952, parte para São Paulo para cursar gravura e desenho no MASP com Lívio Abramo. O cinema culmina com a recém- semiótica expandindo-se na interlocução formal de Ruben Martins e Geraldo de Barros.
Antes de estrear no cinema com A Morte em 3 Tempos (1964), com Paulo Emílio Sales Gomes como ator, Fernando trabalha como desenhista de Lúcio Costa na Novacap, filma Brasília e publica NOME, seu primeiro livro de poemas com xilogravuras de Newton Cavalcanti. Experimenta o design gráfico com Aloísio Magalhães, estuda com Max Bense, da Universidade de Ulm (Alemanha), e participa do VIII Salão de Arte Moderna no Rio de Janeiro.
Na visão do autor, o cinema vem para conciliar palavra-imagem e transfigurar a pintura-poesia em vias de dessacralização pela vanguarda. Em plena ditadura e sob os ventos da contracultura, escreve e dirige Viagem ao Fim do Mundo (1968), que conquista o Leopardo de Prata no Festival de Locarno.
O filme impacta de Glauber Rocha a Júlio Bressane, aqui assistente de direção, que anteviu ali “o cinema debruçado em si mesmo, refletindo”. Precursor do filme-ensaio, Viagem ao Fim do Mundo reinventa Brás Cubas, de Machado de Assis, incorporando signos pop numa bricolagem com trilha tropicalista.
Visto pelo parceiro Mário Carneiro como um “franciscano com faceta dionisíaca”, o diretor figura no seu filme como um frade contracenando com a “freira” e companheira Tallulah Abramo. Parafraseando Machado, a narração interage: “O defeito deste filme és tu, espectador. Tu tens pressa de envelhecer e o filme anda devagar”. Nova digressão surge no diálogo entre Jofre Soares e uma jovem, convidada para uma ponta quando visitava o set. Na cena, acrescida ao roteiro, coube a ela a fala: “Eu sou um erro de continuidade”.
Em contraponto ao delírio febril, o filme assume uma dimensão litúrgica e existencial que incomoda a crítica de esquerda, a ponto de Jean-Claude Bernardet tardar a reconhecer a potência do filme, que sequer se enquadrava na estética underground. “Entre a erudição e o popular, o meu coração balança”, confessa o cineasta pós-cinemanovista que dedica em chave didática seu amor à pintura e às raízes populares nos seus curtas-metragens.
As crises de um pintor movem Um Homem e Sua Jaula (1969), com Helena Ignez e Hugo Carvana, adaptação de Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony, interditado pela censura. Na sequência, o musical de encomenda, Uma Nega Chamada Tereza (1970), é desfigurado pela censura e, no corte final dos produtores, ao contradizer “o país tropical abençoado por Deus”. Anunciado em seu cartaz como “um musical estruturalista, colorido, patético e louquíssimo”, o filme mostra um integrante dos Panteras Negras tentando convencer Jorge Ben a adotar a palavra de ordem “burn, baby”. A veia experimentalista jorra no mesmo ano, no gênero de suspense-comédia, em Sangue Quente em Tarde Fria, codirigido por Renato Newman, que assina a ousada montagem de Viagem ao Fim do Mundo.
Protagonizado por um elenco de primeira grandeza, com as divas Ruth de Souza e Léa Garcia, e narrado por Antonio Pitanga e Milton Gonçalves, Ladrões de Cinema (1977) traz a performance brilhante de Procópio Mariano, além das expressivas Célia Maracajá e Tamara Taxman. Prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília, Lutero Luiz veste seu repertório circense na pele do duplo traidor na trama. Quem rouba a cena é Grande Otelo, que satiriza a figura típica do roteirista incompreendido à procura de um diretor. Ladrões de Cinema, aliás, é uma louvação ao ritual do “cinema de guerrilha”. Com o título provisório Tupi or Not Tupi? e um “banquete antropofágico” na abertura, o longa escancara a matriz oswaldiana.
Durante o Carnaval, um bloco de índios assalta uma equipe norteamericana e leva o equipamento de filmagem para o morro do Pavãozinho. Lá, desistem de vender a muamba e decidem, então, fazer um filme do ponto de vista da comunidade. Na discussão sobre o enredo da fita, despontam os dois diretores, Luquinha (Pitanga) e Fuleiro (Gonçalves), cujos personagens remetem ironicamente a Luchino Visconti/Jean-Luc Godard e Samuel Fuller. Ambos soltam bordões típicos de cineastas outsiders, enquanto articulam na base do improviso o êxtase alegórico. Luquinha é reflexão, Fuleiro é ação!
Eleito tema dos “ladrões”, o samba-enredo da Império Serrano sobre a Inconfidência Mineira vira o roteiro da fita. A trupe descola os negativos com Jean-Claude Rouch (paródia de Jean Rouch) por meio do crítico Jean-Claude Bernardet, que no filme interpreta justo um etnógrafo francês que investe na produção feita “pelo povo, sobre o povo e para o povo”, visando sua tese acadêmica. O gatilho do conflito (um achado metalinguístico) é a dupla delação feita por Silvério (Lutero Luiz), que dedura Tiradentes no enredo, como fez Joaquim Silvério, e no filme, ao entregar os realizadores “marginais” à polícia. Os negativos são enfim apreendidos, e Ladrões de Cinema (o filme dentro do filme) torna-se cult aos olhos
da crítica internacional, encarnada pela atriz Luiza Barreto Leite. Autores intelectuais da façanha, os porta-vozes do morro, Luquinha e Fuleiro comparecem algemados à pré-estreia da obra-prima. Nesta folia autoral, destaque para Mano Décio da Viola em seu auxílio luxuoso a Ladrões, ao cantar à capela um poema musicado de Castro Alves que integra a trilha-exaltação a Tiradentes. Não por acaso, o regente Coni imaginou seu filme visto na avenida pela multidão como um desfile audiovisual.
O filme-testamento, O Mágico e o Delegado (1983), vencedor do Festival de Brasília, retorna ao mundo fantástico da infância e dos artistas de circo para recriar o microcosmo do país sob a derrocada do “milagre econômico”. Na metáfora da fome por liberdade, restam os truques e malabarismos da população para sobreviver às ilusões forjadas pelo governo militar. À “luz de Deus” de Mário Carneiro, o mago Nelson Xavier, a cantora Tânia Alves e o delegado Lutero Luiz simbolizam a árdua peleja da arte contra a censura. A música original de Nelson Jacobina confere magia ao filme, evocando Carmen Miranda e Mozart. Sucesso de público, o Mágico foi a Roterdã.
Trajetória meteórica, com sete longas, 11 curtas, um livro de poemas inédito, filmes inacabados e inúmeros desenhos preservados pela família, a obra de Fernando Coni permanece um enigma a ser especulado e, sobretudo, restaurado. Com o sugestivo título Cinema, Sonhos e Lucidez, a Azougue editou, em 2003, um livro referencial sobre o autor, publicação que reúne ensaios, conferências, poesias e imagens que revelam o percurso interdisciplinar e indisciplinado de um artista que sonhou para viver e viveu para sonhar.
Joel Pizzini - Cineasta e pesquisador