ARTE DA EDIÇÃO POR: MICHELANGELO ANTONIONI
De 19 de outubro a 1º de novembro, aconteceu a tradicional Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Durante duas semanas, a 47ª edição do evento exibiu 363 títulos de 96 países. A seleção fez um apanhado do que o cinema contemporâneo mundial tem produzido, além de apresentar novas tendências, temáticas, narrativas e estéticas.
O cartaz desta edição foi assinado pelo diretor italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007). O realizador foi celebrado pela Mostra com uma retrospectiva de vinte e três filmes, com a exposição “Michelangelo Antonioni. Pequenos Desenhos em Papel”, que apresentou pinturas do cineasta no Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, e com uma leitura dramática do roteiro “Tecnicamente Doce”, escrito por Antonioni.
A 47ª Mostra teve entre seus homenageados quatro nomes: o diretor brasileiro Júlio Bressane e o cineasta sérvio Emir Kusturica, que receberam o Prêmio Leon Cakoff, enquanto o Prêmio Humanidade foi dado para o documentarista francês Sylvain George e para o norte-americano Errol Morris.
direção
RENATA DE ALMEIDA
produção executiva
CLAUDIA VIOLANTE
CLAUDIO A. SILVA
CRISTIANE GUZZI
DANIELA WASSERSTEIN
DIEGO CORREA
FABIANA AMORIM
FELIPE SOARES
JONAS CHADAREVIAN
LEANDRO DA MATA
LUKA BRANDI
SUSY LAGUÁRDIA
VICENTE REIS
equipe de produção
ADRIANA NISHIMURA
ALEXANDRA RABCZUK
ALEXANDRE AMORIM
ALEXANDRE AMORIM JR.
ANTÔNIO ARBEX
CESAR MEDEIROS
CRISTINA IGNE
ERIKA OLIVEIRA
FELIPE DAVI MOREIRA
LUIZA GALINDO
MARCOS SANGALI
MARINA GANDOUR
MELISSA BRANT
PATRÍCIA RABELLO
SOFIA DINIZ
design gráfico
EBERT WHEELER
editoração e imagens_
CRISTIANE RAMOS
IAGO SARTINI
catálogo, site e redes sociais_
edição
ANA ELISA FARIA
FELIPE MENDONÇA MORAES
equipe
BRUNA HADDAD
CARLA CASTELLOTTI
LUIZA WOLF
KARINA ALMEIDA
colaboração: CLARICE BARBOSA DANTAS
textos
CÁSSIO STARLING CARLOS
traduções
CATHARINA STROBEL
colaboração: LUÍSA PÉCORA
assessoria de imprensa
MARGÔ OLIVEIRA
CAROL MORAES
ETIENNE YAMAMOTO
fórum mostra
ANA PAULA SOUSA
tradução e legendagem_
QUATRO ESTAÇÕES
dcp e outras mídias
PANTOMIMA CINE SHOW
website
WEBCORE
aplicativo e ingressos
CONSCIÊNCIA
suporte técnico
CORPNET
contabilidade e financeiro
PLANNED
assessoria jurídica
BITELLI ADVOGADOS
fotografia
AGÊNCIA FOTO - MARIO MIRANDA FILHO
CLÁUDIO PEDROSO
vídeos e making of
RÁ FILMES
arte
MICHELANGELO ANTONIONI
vinheta
criação
AMIR ADMONI
trilha sonora
ANDRÉ ABUJAMRA, MARCIO NIGRO,
MARCOS NAZA (MONDO)
colaboradores para a seleção_
ERIKA FROMM
CARLOS HELÍ DE ALMEIDA
CÁSSIO STARLING CARLOS
CAUÊ DIAS BATISTA
CRISTIANE GUZZI
CRISTINA AMARAL
DEBORAH OSBORN
DUDA LEITE
FELIPE MENDONÇA MORAES
HELEN BELTRAME-LINNÉ
JONAS CHADAREVIAN
ORLANDO MARGARIDO
A
ADHEMAR OLIVEIRA
ADINAEL ALVES DE JESUS
ALEX BRAGA
ALINE TORRES
AMIR ADMONI
ANA MARQUES
ANA PARENTE
ANCINE
ANDRÉ ABUJAMRA
ANDRÉ NOVIS
ANDRE RISTUM
ANDRÉ SADDY
ANDRÉ VIEIRA
ANNA PAOLA PORTELA
AQUARIUS
ARTE 1
B
BAND NEWS
BAND NEWS FM
BARBARA STURM
BARBARA TRUGILLO
BERNARDO CARDOSO
BIA SCHMIDT
BRODERS
BRUNO MACHADO
BRUNO WAINER
C
CAIO GULLANE
CAIO LUIZ DE CARVALHO
CAMILA CAVALCANTI
CAMILA COELHO DOS SANTOS
CAMILA ROQUE
CANAL BRASIL
CASARÃO DAS IDEIAS
CASSIUS CORDEIRO
CCSP - CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
CECÍLIA DE NICHILE
CECILIA FERREIRA
CÉLIO FRANCESCHET
CESAR TURIM
CICERO CARLOS SILVA
CINE SATYROS BIJOU
CINECLUBE CORTINA
CINEMATECA BRASILEIRA
CINESESC
CINTIA COUTINHO LIMA
CONJUNTO NACIONAL
CONSULADO GERAL DA FRANÇA
CONSULADO GERAL DA IRLANDA
CONSULADO GERAL DA ITÁLIA
CONSULADO GERAL DE PORTUGAL
D
DANIELA FAVA
DANIELLE LOBATO
DANILO MIRANDA
DÉBORA IVANOV
DESENVOLVESP
DIAMOND
DOCSP
DOWNTOWN
E
EDUARDO SARON
ELEMENTOS PESQUISAS
ELIENE MORAIS
ELLEN COSTA MENDES SOARES
ELO STUDIOS
ELOAH BANDEIRA
ENEAS PEREIRA
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA
F
FABIANA TRINDADE MACHADO
FABIANO GULLANE
FÁBIO TAKEO SAKURAI
FELIPE FELIX
FLAVIO CARVALHO
FOLHA DE S.PAULO
G
GABRIEL COUTINHO
GABRIEL GURMAN
GABRIELA LEITE
GABRIELA LIMA DA SILVA
GABRIELA SCUTA FAGLIARI
GABRIELA SOUSA DE QUEIROZ
GILSON PACKER
GIOVANNA GIACOMELLI CAVALCANTI
GLOBO FILMES
GRAZIELA MARCHETI GOMES
GUILHERME MARBACK
GUSTAVO CABRAL
H
HELOIZA DAOU
HUGO ALEXANDER
I
IMS - INSTITUTO MOREIRA SALLES
INSTITUTO GALO DA MANHÃ
ITAÚ
ITAÚ CULTURAL
J
JEAN THOMAS BERNARDINI
JOANA BRAGA
JOÃO FERNANDES
JOELMA GONZAGA
JOSÉ ALBERTO MARTINS DE ANDRADE
JOSÉ ROBERTO MALUF
JUCELINO FERREIRA DA SILVA
JULIA DAVILA
K
KARINA DEL PAPA
KINOPLEX ITAIM
KLEBER MENDONÇA FILHO
L
LAURE BACQUE
LEONARDO CORRÊA
LETICIA RAMOS BEDIM
LETICIA SANTINON
LIVRARIA DA TRAVESSA
LUCIANO FRANCISCO DE SOUZA
LUIZ TOLEDO
LYARA OLIVEIRA
M
MAÍRA AZEVEDO POMPEU
MALILA OHKI
MARCELA MELLA MELO
MARCELA ROQUE
MARCELO ROCHA
MÁRCIA SCAPATICIO DA SILVA
MARCIA VAZ
MARCIO NIGRO
MARCIO TAVARES
MARCO ANTÔNIO LEONARDO ALVES
MARCOS NAZA
MARCOS SIQUEIRA NETO
MARGHERITA MARZIALI
MARIA ANGELA DE JESUS
MARIA BEATRIZ CARDOSO
MARIA DORA GENIS MOURÃO
MARIANA GAGO
MARIANA GUARNIERI
MARIANA LEVENHAGEM
MARÍLIA MARTON
MARINA BAIÃO
MASP
MATTHIEU THIBAUDAULT
MILTON PIMENTEL BITTENCOURT NETO
MUBI
N
NANA CAETANO
NATHALIA MONTECRISTO
NATHALIE TRIC
NAYLA GUERRA
NETFLIX
P
PARAMOUNT PLUS
PAULO VIDIZ
PETROBRAS
PORTO ALEGRE FILM COMMISSION
PORTUGAL FILM COMMISSION
PROJETO PARADISO
Q
QUANTA
QUESIA CARMO
R
RAFAEL IGNE
RAFAEL POÇO
RAPHAEL MATTOS
RESERVA CULTURAL
REVISTA PIAUÍ
RICARDO IGNE
RITA MOURA
ROBERTA DA COSTA VAL
RODRIGO FURLAN
RODRIGO GERACE
RONALD ALVES LARUSSA
ROSANA PAULO DA CUNHA
RUTH ZAGURY
S
SABRINA NUDELIMAN
SANDRO GENARO
SANGALI
SATO CINEMA
SÉRGIO RICARDO DOS SANTOS
SHEILA MAGALHÃES
SIDNEY DE CASTRO
SIMONE OLIVEIRA
SIMONE YUNES
SPCINE
T
TELECINE
THIAGO GALLEGO
TV CULTURA
V
VALMIR BARBOSA
VIVIANE FERREIRA
VIVIANE GROISMAN
W
WESLEY MENDONÇA
Prêmio do Júri | Melhor Ficção
“Quando Derreter”, de Veerle Baetens (Bélgica, Holanda)
Prêmio do Júri | Melhor Documentário
“Samuel e a Luz”, de Vinícius Girnys (Brasil, França)
Prêmio do Júri | Menção Honrosa
“Se Eu Pudesse Apenas Hibernar”, de Zoljargal Purevdash (Mongólia, França, Suíça, Catar)
Prêmio do Júri | Menção Honrosa para Melhor Interpretação
Jaya, pela atuação no filme “Asog” (Filipinas, Canadá)
Prêmio do Público | Melhor Documentário Brasileiro
“Somos Guardiões”, de Edivan Guajajara, Chelsea Greene, Rob Grobman (EUA, Brasil)
Prêmio do Público | Melhor Filme de Ficção Brasileiro
“A Metade de Nós”, de Flávio Botelho (Brasil)
Prêmio do Público | Melhor Documentário Estrangeiro
“Da Cor e da Tinta”, de Weimin Zhang (EUA, Brasil, China)
Prêmio do Público | Melhor Filme de Ficção Estrangeiro
“La Chimera”, de Alice Rohrwacher (Itália, França, Suíça)
Prêmio Brada | Melhor Direção de Arte
Pamela Khadra, pela direção de arte do filme "Vale do Exílio” (Canadá, Líbano)
Prêmio de Ativismo Criativo - Culturas da Resistência
“Somos Guardiões”, de Edivan Guajajara, Chelsea Greene, Rob Grobman (EUA, Brasil)
Prêmio da Crítica | Melhor Filme Estrangeiro
“Afire”, de Christian Petzold (Alemanha)
Prêmio da Crítica | Melhor Filme Brasileiro
“O Dia que Te Conheci”, de André Novais Oliveira (Brasil)
Prêmio da ABRACCINE | Melhor Filme Brasileiro de Diretora Estreante
“Sem Coração”, de Nara Normande e Tião (Brasil, França, Itália)
Prêmio Projeto Paradiso
“Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges (Brasil)
Prêmio Netflix
“Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges (Brasil)
Nasceu no Rio Grande do Sul em 1974. É atriz de teatro, cinema e televisão, produtora e diretora. Protagonizou espetáculos teatrais, séries e novelas e, também, atuou em filmes como “Meu Amigo Hindu” (2015, 39ª Mostra) e “A Porta ao Lado” (2022, 46ª Mostra). Pela trajetória como atriz, recebeu a medalha da Ordem do Mérito Cultural em 2013, concedida pelo Ministério da Cultura. Dirigiu os curtas “Making of Meu Amigo Hindu” (2015, 39ª Mostra), “Conversa com Ele” (2018, 42ª Mostra) e “Ato” (2021, 45ª Mostra). Seu primeiro longa-metragem na direção, “Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” (2019, 43ª Mostra), venceu o prêmio de melhor documentário da seção Venice Classics do Festival de Veneza e foi escolhido para representar o Brasil na indicação de melhor filme em língua estrangeira no Oscar. Em 2023, estreou a exposição, instalação e performance “Auto-Acusação”.
Nasceu em Lavagna, na Itália, em 1952. Iniciou a carreira como assistente de Michelangelo Antonioni, com quem trabalhou em filmes como “China” (1972), “Profissão: Repórter” (1975), “O Mistério de Oberwald” (1980), “Identificação de uma Mulher” (1982) e “Noto, Mandorli, Vulcano, Stromboli, Carnevale” (1992). Na trajetória de Enrica atrás das câmeras estão “Lux Orientis” (1992), documentário sobre São Francisco de Assis, “To Make a Film Is to Be Alive” (1995), making-of do filme “Além das Nuvens” (1995), e “Con Michelangelo” (2005), sobre o trabalho de Michelangelo Antonioni como pintor. Ainda para Antonioni, produziu “Kumbha Mela” (1989) e “Sicília” (1997), além de ter assinado a colaboração artística dos últimos filmes do cineasta italiano: “Além das Nuvens”, “Eros” (2004) e “O Olhar de Michelangelo” (2004). Enrica também foi curadora de exposições das pinturas de Michelangelo Antonioni.
Nasceu em Dublin, na Irlanda, em 1966. Estudou filosofia e física teórica antes de se dedicar ao cinema, inicialmente dirigindo comerciais. Dirigiu o curta “3 Joes” (1991), premiado no Festival de Oberhausen, e estreou na direção de longas-metragens com o filme independente “Adam e Paul” (2004). Também dirigiu “Garagem” (2007, 31ª Mostra), exibido no Festival de Cannes, onde ganhou o Prêmio C.I.C.A.E., concedido pelo circuito de cinema de arte, “O que Richard Fez” (2012), exibido no Festival de Toronto, “Frank” (2014), apresentado no Festival de Sundance, “O Quarto de Jack” (2015), pelo qual foi indicado a quatro Oscars, incluindo o de direção e melhor filme, e que rendeu o prêmio de melhor atriz para Brie Larson, e ̈Estranha Presença ̈ (2018). Também dirigiu as premiadas séries de televisão “Prosperity” (2007), “Normal People” (2020) e “Conversas entre Amigos” (2022). A 47ª Mostra exibirá os três primeiros longas-metragens de Abrahamson.
Nasceu na Holanda em 1956. Estudou língua e literatura alemã, estudos teatrais e sociologia na Universidade de Utrecht e na Universidade Livre de Berlim. Em 1986, Mariëtte ingressou na distribuidora de filmes Tobis Film e, em 1995, passou para a produção cinematográfica, antes de estabelecer a própria produtora em Hamburgo e trabalhar com Mika Kaurismäki. Em 2000, mudou-se para a produtora Hofmann & Voges, com sede em Munique. Tornou-se responsável, em 2003, pelas relações com festivais internacionais e pelas relações públicas na German Films, a organização que faz a promoção internacional do cinema alemão. Assumiu o cargo de diretora-adjunta da German Films em 2006 e de diretora geral da instituição em 2011. Mariëtte Rissenbeek é diretora geral do Festival de Berlim desde junho de 2019.
Nasceu na Guiné-Bissau em 1988. É ator e artista transdisciplinar da etnia Balanta e reside em Berlim. Bungué é cofundador da produtora KUSSA, licenciado em atuação pela Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa e pós-graduado em performance pela UniRio. Entre seus trabalhos como diretor estão os curtas “Bastien” (2016), “Run if You Can, Dance if You Dare” (2020), “Mudança” (2021) e “Calling Cabral” (2022), que participaram de festivais de cinema como os de Berlim, Londres, Sheffield e do IndieLisboa. Atuou em filmes como “Corpo Elétrico” (2017), “Joaquim” (2017), “Berlin Alexanderplatz” (2020, 44ª Mostra), “A Viagem de Pedro” (2021, 45ª Mostra) e “Crimes do Futuro” (2022). Na 47ª Mostra, Bungué também está presente no filme “Diálogos Depois do Fim”. Lançou o primeiro livro em 2022, o ensaio autobiográfico “Corpo Periférico”.
“Festival” é o nome da obra de Michelangelo Antonioni que ilustra a arte da 47a Mostra. As cores e formas do mestre italiano abrem o caminho para as diversas histórias apresentadas em 362 filmes de 96 países.
Além da apresentação dos títulos da sua retrospectiva, Antonioni será celebrado na leitura do seu roteiro “Tecnicamente Doce”, projeto que um dia se tornará um filme ítalo-brasileiro, mas que o público da Mostra terá o privilégio de ver embrionário. A diretora e produtora Enrica Fico Antonioni virá a São Paulo para acompanhar a retrospectiva e conversar com o público sobre esse projeto e toda a obra de Antonioni.
A atualidade do poeta da incomunicabilidade e da alienação, como muitos chamam Antonioni, não surpreende na era da ultra conectividade.
Mas ao contrário da rapidez das redes sociais, o cinema nos dá o tempo da reflexão, transforma números em pessoas e nos mostra que habitantes de um determinado lugar não são os seus péssimos líderes ou ditadores.
“Underground: Mentiras de Guerra” (1995), um filme emblemático sobre o absurdo da guerra, será apresentado pelo próprio Emir Kusturica, que volta a São Paulo para participar do Júri da Mostra e ser homenageado com o Prêmio Leon Cakoff.
Dando continuidade à valorização da história do cinema, a Mostra também apresenta as cópias restauradas dos filmes “Amor Louco” (1969), de Jacques Rivette, “Vale Abraão” (1993), de Manoel de Oliveira, “O Retorno à Razão” (1923), de Man Ray, “Corisco e Dadá” (1996), de Rosemberg Cariry, “O Sangue” (1989), de Pedro Costa, e “Carandiru” (2003), de Hector Babenco. E da nossa Cinemateca Brasileira, apresentaremos os restauros da Coleção de Nitratos e os filmes de Lévi-Strauss feitos no Brasil.
Lenny Abrahamson, que integra o Júri com Kusturica, apresentará três trabalhos na Mostra: “Adam e Paul”, “Garage” e “O que Richard Fez”. Com eles, o Júri se completa lindamente com Bárbara Paz, Enrica Fico Antonioni, Mariëtte Rissenbeek e Welket Bungué.
Júlio Bressane apresentará seus dois últimos filmes e será homenageado com o Prêmio Leon Cakoff. Dois documentaristas recebem o Prêmio Humanidade: Errol Morris, que terá seu filme “O Túnel de Pombos” na programação da Mostra, e Sylvain George, que virá a São Paulo para receber o prêmio e apresentar a sua retrospectiva.
Como todos os anos, a Mostra apresenta títulos esperados de diretores reconhecidos como Aki Kaurismäki, Bertrand Bonello, Wim Wenders, Hong Sang-soo, Víctor Erice, Nuri Bilge Ceylan e Ryusuke Hamaguchi, além de trabalhos de muitos outros mestres. Filmes apresentados e premiados no circuito de festivais como “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, e “No Adamant”, de Nicolas Philibert, ganhador do Urso de Ouro em Berlim. Mas também muitas descobertas que surpreenderão o nosso público com novos olhares.
Pelo terceiro ano consecutivo, realizamos o Encontro de Ideias Audiovisuais, que inclui o VII Fórum Mostra, o VII Da Palavra à Imagem e o II Mercado. Tornando a Mostra não só um lugar para ver cinema, mas também para refletir e discutir o audiovisual e a indústria criativa.
Pela primeira vez, a Mostra leva parte da seleção desta edição ao Norte do Brasil, em uma parceria com o Centro Cultural Casarão de Ideias (CCCI), em Manaus. E com o Sesc, continuamos com a nossa tradicional itinerância por dez cidades do estado.
Além dos nossos tradicionais prêmios, teremos dois novos oferecidos por parceiros para o cinema brasileiro apresentado na Mostra: O Prêmio Paradiso, de apoio à distribuição em salas de cinema e o Prêmio Netflix, de aquisição mundial para a plataforma.
Tudo isso graças aos nossos parceiros e à equipe da Mostra, que se dedica a colorir essa gota que cai no oceano. Esperamos que ela possa colorir tempos difíceis e tornar a nossa comunicação mais rica.
Uma boa Mostra a todos!
Renata de Almeida
Antonioni e incomunicabilidade são palavras que o público se habituou a conectar como sinônimos. Descobrir ou rever títulos de sua filmografia na retrospectiva do cineasta italiano realizada pela 47a Mostra permite compreender como a relação entre os termos é abrangente.
Ainda assim, as mutações da subjetividade e da sociedade que Michelangelo Antonioni (1912-2007) sondou ao longo de sete décadas de atividade não caberiam numa fórmula única. “A Aventura” (1960), “A Noite” (1961) e “O Eclipse” (1962), títulos que se convencionou juntar na “trilogia da incomunicabilidade”, sintetizam as principais marcas autorais, ou seja, o estilo e a temática predominantes no cinema de Antonioni. Esses filmes, plenamente inseridos no apogeu da etapa modernista da história do cinema nos anos 1960, resultam de um processo de amadurecimento de ideias e formas que o diretor havia começado a experimentar há mais de uma década. A impressão de apogeu que se manifesta nessa fase não impede o salto quântico que se observa com a entrada da cor no universo do diretor, a partir de “O Deserto Vermelho” (1964).
A retrospectiva Michelangelo Antonioni que o público da Mostra tem a oportunidade de ver em 2023 estimula não apenas a compreensão de um conjunto coerente e da progressão de sua complexidade. Ela também evidencia como a obra de Antonioni, além da importância histórica, sedimenta aspectos que definem o cinema contemporâneo mais autoral, como a rarefação narrativa, o expressionismo sensorial ou as situações sem motivo e indeterminadas.
A cronologia começa com os curtas que Antonioni dirigiu antes de realizar o primeiro longa, em 1950. Os dois primeiros, “Gente do Pó” (1947) e “Limpeza Urbana” (1948), são, como estudos e desenhos feitos por artistas plásticos, ensaios em que se esboça uma característica recorrente do cinema do diretor. As figuras humanas aparecem quase sempre integradas aos espaços, executando trabalhos de pesca, navegação e lavagem das ruas, nos quais o ambiente guarda tanta importância quanto os movimentos e as ações.
O que interessa aqui não é tanto o registro de práticas, mas o modo como o cineasta relaciona os elementos em composições predominantemente plásticas e rítmicas.
Os primeiros longas de Antonioni nos anos 1950 podem ser descritos como melodramas protagonizados por burgueses que não têm o trabalho como principal preocupação. O cineasta se interessa pelo avesso da situação de conforto material, pela impossibilidade de evitar o desconforto espiritual, o vazio ou o tédio, temática que aproxima sua obra da literatura existencialista de autores italianos como Cesare Pavese e Alberto Moravia.
Em “Crimes da Alma” (1950), “A Dama sem Camélias” (1953) e “As Amigas” (1955), o cineasta explora as possibilidades da linguagem cinematográfica, evitando o naturalismo psicológico, os diálogos explicativos, as cenas expositivas, dilatando a duração e desviando-se de fórmulas narrativas.
A convergência de temas e formas se consolida a partir de “O Grito” (1957), em que se percebe a desolação de Aldo projetada na paisagem de horizontes desfocados pela bruma, que se segue ao isolamento emocional de Claudia e Sandro na aspereza da ilha de “A Aventura”, a desconexão de Lidia na perambulação de Jeanne Moreau em meio à arquitetura de Milão em “A Noite”. Essa tendência “expressionista” se radicaliza com a desumanização do mundo, visível na enigmática sequência final de “O Eclipse”, no uso da cor como manifestação dos estados de alma de Giuliana em “O Deserto Vermelho” e na alteração cromática feita em vídeo em “O Mistério de Oberwald” (1981).
A ideia da incomunicabilidade, que alguns autores preferem chamar de “erosão de Eros” e de “desertificação do desejo”, é uma constante nesta fase. Aqui, o cinema de Antonioni transita, como as artes visuais, do figurativo ao abstrato.
Com “Blow Up - Depois Daquele Beijo” (1966), o diretor se descola do universo italiano e das neuroses burguesas e se lança numa investigação ao mesmo tempo policial e metafísica, ao acompanhar as peripécias de um fotógrafo que capta, sem perceber, um assassinato.
O que o olho não vê e a imagem revela? A interrogação se projeta sobre o próprio cinema, com sua capacidade de produzir percepções distintas das habituais, de proporcionar outras formas de ver um mundo em que o humano não ocupa mais o centro.
Em “Zabriskie Point” (1970), Antonioni faz avançar sua estética da desaparição, passando da ilha deserta de “A Aventura” ao próprio deserto, desta vez na Califórnia. “Zabriskie Point” e “Profissão Repórter” (1975) têm em comum o deserto como cenário e símbolo, espaço de fuga e de apagamento.
O acidente vascular cerebral que Antonioni sofreu em 1985 o deixou com restrições de movimentos e na fala, mas não o condenou à incomunicabilidade. Ele ainda realizou em seu percurso grandioso “Além das Nuvens” (1995), e em “O Olhar de Michelangelo” (2004), o cineasta assina seu testamento com um diálogo dele com outro Michelangelo, o pintor renascentista, um filme que não cabe em palavras.
A história do cinema brasileiro, de Humberto Mauro ao assédio à produção cultural no último governo, parece ser mais uma forma de resistência que de existência. Nessa condição atávica, a duração e a regularidade da obra de Júlio Bressane assume a dimensão dos prodígios.
Dos primeiros passos, em meados dos anos 1960, até hoje, a produtividade de Bressane quase concorre com a filmografia quilométrica do cineasta e dramaturgo Lulu de Barros (1893-1981). Enquanto a maioria dos e das cineastas do país raramente consegue construir uma obra extensa, Bressane vem mantendo, há sete décadas, um ritmo impressionante.
A lista de filmes existentes e perdidos aproxima-se de 40 títulos, sem contar a pouco conhecida produção em super-8 e em vídeo.
A escolha do cineasta carioca para receber o Prêmio Leon Cakoff nesta Mostra distingue, mais que a produtividade, a longa influência de Bressane sobre o cinema de invenção, sua inquietação e sua insubmissão frente ao cinema de fórmulas.
“Matou a Família e Foi ao Cinema” (1969) é o longa mais difundido do autor. O título pode também ser lido como síntese do projeto estético do cineasta. A ideia acompanha desde cedo o percurso bressaniano, na forma de filmes que renegam a ordem, que exaltam as discrepâncias, evidenciando o que não cede ao controle ou à lógica.
A alcunha “cinema marginal” segue etiquetando os primeiros longas e os títulos frutos da parceria com Rogério Sganzerla (1946-2004) na produtora Belair. “Marginal” aqui, além de pobre e malcuidado, tem o sentido de contrário, dissidente. A estética que o diretor inventa e aprofunda de “Cara a Cara” (1967) a “Cuidado Madame” (1970) culmina em duas rupturas. A primeira, a secessão da família do Cinema Novo e da utopia estética de cinema engajado. A outra, os temas e as situações afrontosas, atitude que os gorilas da ditadura logo acusaram de “subversiva”.
Resultado: o exílio.
Em vez de obstáculo, a desterritorialização acentuou a vocação dissidente do cinema de Bressane, potencializou a condição de estranho. Ao retornar do degredo, o cineasta reiniciou o projeto com uma espécie de reinvenção do Brasil. Os filmes deste período, de “O Rei do Baralho” (1973) a “O Gigante da América” (1978), visitam o arcaico, o popular, as figuras desviantes, divergindo do bom-gostismo refletido na busca do sucesso comercial pelo modelo Embrafilme.
A chanchada, a pré-história, a vanguarda e a antropofagia são algumas expressões alternativas que Bressane recupera a partir de 1973 numa espécie de arqueologia interessada nos signos de um brasil com b minúsculo, minoritário.
Esta etapa de recriação de mitos deságua a partir dos anos 1980 numa série, que avança até hoje, na qual o cineasta embaralha erudito e popular, kitsch e culto.
Música, literatura, poesia, filosofia, psicanálise, teatro, história e pintura são fontes recorrentes nestes filmes da maturidade. De “Tabu” (1982) a “Capitu e o Capítulo” (2021), Bressane segue fiel à busca de um cinema aberto, híbrido, heterogêneo, resistente ao consumo e à distração.
As mais de sete horas de “A Longa Viagem do Ônibus Amarelo” —exibido pela 47ª Mostra— reafirmam a coerência deste cinema-monstro. Longe de qualquer síntese ou memorialismo apaziguador, a obra se abre como um abismo.
“O ser humano tem tendência a esquecer, e a prática do esquecimento tornou-se uma arte fundamental da nossa espécie. Se o esquecimento não apagasse as provações de nossa existência, seria impossível sobreviver.” As primeiras linhas de “Onde Estou Nesta História”, autobiografia do cineasta sérvio, parecem contradizer a própria ideia de livro de memórias.
Se esquecer ajuda a suportar a dor, escrever, contar, pintar ou filmar são modos de cultivar a utopia, um alimento fundamental para a sobrevivência. A memória se encarrega de omitir, enquanto a imaginação é a energia do criar. Emir Kusturica juntou as duas para inventar um cinema inimitável.
“Underground: Mentiras de Guerra”, filme que a Mostra exibe em versão restaurada, é considerado o apogeu da filmografia do cineasta. O longa de 1995 deu a segunda Palma de Ouro do Festival de Cannes a Kusturica. Revê-lo é como assistir uma aula em que o professor solta os animais de jaulas, enquanto a turma se embriaga. Seus 167 minutos comportam tanta desmesura e ambição, tragédias e gargalhadas, tensões e catarses, que, ao final, parece que assistimos a toda a história do cinema num só filme.
“Underground” é como se ligar numa tomada 220, um reencaixe de Kusturica com a energia balcânica, depois dos percalços que enfrentou na realização de “Arizona Dream” (1993) nos Estados Unidos.
O sonho da América, tentação maior para diretores de cinematografias minoritárias, parecia um rumo inevitável para Kusturica no início dos anos 1990. Pois, na década anterior, o cineasta havia acumulado triunfos.
A geração de artistas que havia criado e mantido o cinema de autor desde o pós-Segunda Guerra chegava, pouco a pouco, ao fim. O momento histórico exigia descobertas. Os festivais europeus trocavam, por isso, seu papel de consagração pela de termômetro e revelação.
O Leão de Ouro para diretores estreantes conquistado por “Você se Lembra de Dolly Bell?” no Festival de Veneza de 1981 era dos primeiros sinais desta transição. Com seu filme seguinte, “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios” (1985), Kusturica subiu ao Olimpo de Cannes conquistando sua primeira Palma de Ouro. Naquela década, os holofotes começavam a dar evidência a nomes até então desconhecidos, enquanto nas filas da Mostra os cinéfilos aprendiam a pronunciar Jarmusch, Von Trier, Soderbergh, Carax.
A natureza formativa e informativa da Mostra combinada com o radar sempre ligado de Leon Cakoff captou de imediato estes sinais. Na edição de 1982, o primeiro filme de Kusturica foi apresentado aqui e venceu o Prêmio da Crítica. Dali em diante, a Mostra se tornou o ponto do primeiro encontro da cinefilia brasileira com os filmes do cineasta sérvio.
Em 2001, ele criou a arte do cartaz do evento, um desenho de um insólito ovo quebrado do qual emergiam imagens numa película e seu vínculo com o evento foi renovado com a exibição de seus longas conhecidos e de curtas desconhecidos.
Para comemorar esta história comum, esquecer os esquecimentos e reinventar as utopias, a 47a Mostra entrega a Emir Kusturica o Prêmio Leon Cakoff.
O nome de Sylvain George ainda é pouco conhecido, mesmo entre o público que acompanha a rica produção contemporânea de documentários. Poeta e fotógrafo, além de cineasta, George vem compondo há menos de duas décadas uma filmografia que busca projetar imagens de grupos subumanizados.
Antes de realizar seus primeiros curtas, a partir de 2005, George graduou-se em filosofia, direito e ciências políticas, saberes que visivelmente se conjugam na construção de seu olhar.
Imigrantes, sem-teto, indocumentados, excluídos e clandestinos povoam a filmografia do diretor francês, populações ocultadas, apagadas ou confinadas num “regime de (in)visibilidade” em pleno “império do visível”, categorias que George adota em seus textos teóricos.
O cineasta esclarece esse paradoxo recorrendo ao modo habitual como o jornalismo exibe as abordagens de embarcações lotadas de imigrantes que alcançam ilegalmente as costas mais acessíveis da Itália e da Espanha. “Essas imagens reforçam a ideia do senso comum de que a Europa está sendo invadida por bárbaros. Não vemos, ou vemos muito pouco, as imagens dos naufrágios, interceptações e destruições de embarcações. Não vemos, ou vemos muito pouco, as imagens dos centros de detenção, dos processos formais ou informais de encarceramento, dos lugares e não lugares”, argumenta no manifesto “Time Bomb - Programme sur le Cinéma qui Vient”.
Uma de suas estratégias é inserir-se nos grupos, em vez de filmá-los de fora, à distância, como fazem as forças policiais (e o jornalismo). O processo imersivo possibilita perceber as dinâmicas e os hábitos, mas não no modo captura de flagrantes e, sim, para compor uma poética na voz do outro.
Três princípios orientam esse processo: ético —como filmar sem roubar as imagens dos que já não têm quase nada?—; estético —como devolver dignidade visual a esses indivíduos sem cair na espetacularização da miséria?—; político —que imagens podem se contrapor às produzidas pelas instituições de controle?
George define seu primeiro longa, “O Impossível - Páginas Rasgadas” (2009), como um “poema fílmico incendiário”. Inspirado em Rimbaud, Lautréamont, Dostoiévski e Benjamin, o longa mescla imagens de migrantes em Calais, de protestos de estudantes e trabalhadores informais em Paris em 2009 e arquivos de manifestações dos anos 1960, numa demonstração de como a repressão produz fragmentos que escapam, reconfigurando-se.
Essa estética política ressurge no ano seguinte em “Que Descansem Sem Paz (Imagens da Guerra)” (2010), resultado de três anos de registros das condições de vida de migrantes em Calais, aos quais se misturam outros tipos de marginalizados sob a mira da polícia.
“Rumo a Madri” (2012) é um filme de urgência, uma captura da história ao vivo, no qual George registrou o 15M, manifestações de massa na capital espanhola que agregaram uma multidão de indignados, como um laboratório de novas formas de resistência.
Em “Paris É uma Festa - Um Filme em 18 Ondas” (2017), o título de Hemingway ilumina um filme-poema em 18 fragmentos, no qual a cidade é representada não somente em torno de seus monumentos, mas a partir de movimentos que revelam um presente instável.
O díptico “Noite Obscura - Folhas Selvagens” (2022) e “Noite Obscura - Adeus Aqui, em Qualquer Lugar” (2023) reúne os dois projetos mais recentes do realizador. Depois de Calais, o norte, ponto-limite da epopeia dos anti-heróis clandestinos deste século, o cineasta filma seus equivalentes amontoados em Melilla, enclave espanhol no Marrocos, extremo de uma ponte cujo outro lado só promete incertezas.
A 47ª Mostra dedica a Sylvain George o Prêmio Humanidade pela pesquisa de linguagens apropriadas para garantir visibilidade e dignidade aos deserdados e pelo trabalho de combate às injustiças.
Os contratempos do dono de um cemitério de animais. As histórias dos habitantes de uma cidadezinha escondida da Flórida. Um criador de métodos utilizados em penas de morte. Quem lê só as sinopses dos filmes de Errol Morris pode acreditar que o documentarista norte-americano é obcecado por personagens estranhos.
Mas basta assistir a um de seus trabalhos para entender que por trás da aparente loucura sempre há método.
A morte do pai quando o pequeno Errol tinha apenas dois anos de idade é um acontecimento ao qual muitos intérpretes recorrem quando buscam motivos pessoais para interpretar a obra do cineasta. Mortes, assassinatos, execuções e matanças, de fato, movem a curiosidade de Morris, mas isso não reduz seus documentários à etiqueta “crimes verdadeiros”.
A primeira característica que chama a atenção em seus filmes é a duração e o detalhismo das entrevistas. Os personagens falam muito e em alguns momentos falam demais, ou seja, acabam cometendo inconfidências, deixando escapar o que a retórica pretendia controlar. Antes de conseguir fazer cinema, Morris trabalhou algum tempo como detetive.
Provavelmente, essa experiência tenha sido decisiva para ele desenvolver as habilidades que o alçaram ao posto de mestre admirado do documentário de investigação, com trabalhos como “A Tênue Linha da Morte” (1988) e “Procedimento Operacional Padrão” (2008).
Morris, no entanto, define de forma modesta que no emprego de detetive “tratava-se de falar com as pessoas”. Ou seja, não apenas investigar, mas deixar as pessoas à vontade de modo que falem muito, de preferência, demais.
O domínio dessa habilidade já se revela plenamente no primeiro longa, “Portais do Céu” (1978). Enquanto acompanha duas iniciativas de manter cemitérios para animais, Morris conduz as entrevistas e a nossa atenção para os sentimentos. À medida que os personagens evocam suas relações com os animais mortos, o filme registra de modo cru emoções essenciais, tais como a demanda de afeto, a confiança, a solidão ou o medo.
No filme seguinte, “Vernon, Florida”, o cineasta mais uma vez induz os entrevistados a contar histórias. “Minha regra de ouro é deixar as pessoas sozinhas, deixá-las falar e, em dois minutos, elas nos mostrarão o quão loucas elas realmente são”, revela Morris.
A maior reviravolta de sua carreira veio em 1988 com “A Tênue Linha da Morte”. O longa investiga pontos cegos no inquérito sobre o assassinato de um policial durante uma operação rotineira de trânsito em Dallas, Texas, em 1976. Desconfiado, Morris puxou diversos fios e acabou descobrindo que o acusado e condenado à morte pelo crime era inocente, o que fez com que sua condenação fosse anulada.
Além desta consequência extraordinária de um projeto cinematográfico, o filme tornou-se um marco pela utilização heterodoxa de recursos, como dramatizações e encenações, mais associados com as narrativas de ficção.
O interesse por pessoas-personagens levou Morris a produzir perfis antagônicos, como o do físico Stephen Hawking (em “Uma Breve História do Tempo”, de 1992) e o do negacionista Fred Leuchter Jr. (em “Mr. Death”, de 1999).
Em vez de se restringir ao anômalo e ao extraordinário, Morris avançou para outro patamar a partir de “Sob a Névoa da Guerra” (2002). O documentário vencedor do Oscar vasculha os bastidores da turbulenta história dos Estados Unidos nos anos 1960 por meio do depoimento de um figurão do poder, o ex-secretário de Defesa Robert McNamara.
Os fatores humanos que movem as peças do xadrez político, ignoram os direitos individuais ou pretendem impor suas obsessões como a verdade são desnudados sem pudores por gente como Donald Rumsfeld, ex-secretário de Defesa dos EUA, em “O Conhecido Desconhecido” (2013), e o manipulador Steve Bannon, em “American Dharma” (2018).
Ao mesmo tempo, em projetos como o curta “Survivors” (2008), sobre sobreviventes de câncer, e a série “First Person’ (2000- 2001), o cineasta prolonga o mapeamento do extraordinário que borbulha dentro das vidas ordinárias.
Em seu filme mais recente, “O Túnel de Pombos”, Morris entrelaça os fios da espionagem e da literatura ao reconstruir o intrigante percurso do escritor John Le Carré, e investiga a extraordinária e delicada linha entre realidade e ficção em sua obra.
Por sua busca insaciável do que encanta e apavora no humano, a 47ª Mostra dedica o Prêmio Humanidade a Errol Morris.
A subjetividade estilhaçada sob a vidraça das aparências é uma dimensão comum a muita gente e que Lenny Abrahamson adora usar para inquietar o público. O nome do diretor irlandês circulava ainda à boca pequena quando “O Quarto de Jack” se tornou, em 2015, um título que a multidão movida pelas indicações ao Oscar não deixou para ver depois.
A conquista do prêmio de melhor atriz pelo desempenho fulgurante de Brie Larson, além das indicações a roteiro adaptado, direção e filme, deram um upgrade na visibilidade do cineasta.
A exibição de três longas do início da filmografia de Abrahamson na 47ª Mostra é a oportunidade para descobrir um trajeto que prolonga uma tradição e dialoga com o presente.
“Uma versão de ‘Esperando Godot’ interpretada por Laurel e Hardy, da dupla O Gordo e o Magro.” O resumo que Abrahamson fez de seu primeiro longa, “Adam e Paul” (2004), dá uma ideia de sua abordagem dissonante da vida de dois viciados em heroína, assunto em geral condenado ao sensacionalismo.
A frustrante epopeia cotidiana da dupla pelas ruas de Dublin carrega o DNA dos dramas de realismo social, gênero que é quase sinônimo de cinema irlandês. Por outro lado, o tratamento em forma de comédia sem risos reivindica a influência do teatro de absurdo de Samuel Beckett.
“Adam e Paul” já anunciava uma característica recorrente dos filmes de Abrahamson: a direção de atores que extrai performances memoráveis de intérpretes pouco conhecidos.
Em “Garage” (2007), o cineasta troca a depressão urbana pelo tédio do interior, sem abandonar a simpatia pelas vidas marginais. Embora tenha um emprego e seja obediente às convenções, Josie é um condenado à solidão. A melancolia promete ser infinita, mas o filme prefere privilegiar os pequenos momentos, as insignificâncias, como se além do banal só existisse perturbação.
O tom minimalista e o trabalho de imagem que harmoniza o feio e o bonito completam as qualidades deste filme “pequeno”, dedicado às pequenezas da vida.
A exibição de “Garage” na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, no qual obteve o C.I.C.A.E., prêmio concedido pelo circuito de cinemas de arte, expandiu os horizontes para Abrahamson.
A introspecção e a repressão compõem o combustível letal de “O que Richard Fez” (2012), um conto moral sobre um jovem que tem beleza física, todos os confortos de uma família bem-sucedida e um futuro garantido dentro das regras da meritocracia. Uma reviravolta dramática, porém, rompe esta superfície vítrea.
“O que Richard Fez” é, em certo sentido, um esboço de “O Quarto de Jack”, um estudo psicológico numa situação extrema.
Neste exercício, Abrahamson observa seu protagonista como um animal numa jaula, captando ao máximo as tensões que sobem à superfície. Mas o que ele quer mesmo é alcançar o interior turvo de seus personagens.